segunda-feira, 13 de junho de 2011

Confesso

Confesso. Matei-a. Entrei no quarto ontem à noite, acendi a luz e vi-a de imediato. Encontrava-se a meia altura, na parede onde está colocado o espelho, por cima da pequena consola de mármore. Primeiro estremeci. Depois senti crescer dentro de mim aquela raiva. Começou junto ao estômago e apoderou-se do meu braço direito levando automaticamente a minha mão até ao pé para descalçar o chinelo. De havaiana em punho, aproximei-me e, com a respiração suspensa, arremessei-lhe com uma valente sapatada. Caiu no chão, retorcida e inerte. Até as suas mil patas se desvaneceram e ali, junto aos pés da consola de mármore apenas sobrou uma pequena tripa cor de mel.
Confesso. Matei a centopeia. E matarei quantas se me atravessarem no caminho. É mais forte do que eu. Por muito simpáticas que possam ser as suas representações em histórias de BD ou em livros infantis, a centopeia será sempre, para mim, um alvo a abater. E a culpa é da outra. A culpa é daquela centopeia enorme que ousou passear-se sobre mim quando eu tinha os meus oito ou nove anos. Naquelas férias de verão eu dormia num pequeno quarto ao fundo da casa. A cama tinha uma colcha de chita azul celeste, com umas grandes rosas cor-de-rosa. Deitada, vestindo a minha camisa de noite de voile azul-bebé com pintinhas brancas eu estava inquieta. Queixava-me à minha mãe. Que sentia alguma coisa, dizia-lhe de minuto a minuto. Alguma coisa caminhava sobre mim. Cansada de me ouvir lá foi acender um candeeiro a petróleo e entrou no meu quarto segurando aquela luz ténue e tremente. Foi nesse preciso momento que a vi, passando apressada do meu pescoço para o peito. Saltei da cama gritando e atirando a camisa de dormir para o ar. Naquela noite o pé do meu pai, que entretanto se juntara a nós, matou a centopeia e os seus dez centímetros de comprimento.


Confesso. Matei a centopeia que estava ontem na parede do meu quarto. E matarei quantas se me atravessarem no caminho.


8 comentários:

  1. Eu acrescento: "muito" ao "Traumático de facto" do El Matador.

    : )

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  2. Tenho uma relação idêntica com as baratas. Em Macau eram anafadas e quando as matava davam um valente estouro. Nunca me arrependi.
    CBO

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  3. Pois eu estou inteiramente de acordo: a bicheza que circule à vontade nos jardins ou por onde quiser, em minha casa NÃO!

    Em relação a centopeias, também tenho uma noite mal dormida e de pesadelo à conta de uma, porque a minha avó não deixava que matassem bicharocos desses em casa dela, e vi uma na parede antes de adormecer, gritei, 30 por uma linha e a bicha escondeu-se. E depois, mesmo sendo miúda, quem é que adormecia???

    Insectos e demais rastejantes em minha casa é que não! À chinelada ou de dum-dum em cima já sabem que é morte certa! :)

    Beijocas!

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  4. Ui. Até me arrepiei.
    Tens todo o meu apoio. E se for preciso mais algum chinelo, também podes contar comigo.
    Esse é o grande problema do Verão: os bicharocos saem todos das suas tocas e como nós deixamos as nossas abertas eles entram e instalam-se sem pedir licença... Pois que evitem o meu espaço! Também não perdoo. Nessas alturas não quero saber de cadeias tróficas, espécies em vias de extinção, direitos de animais,...
    É uma descarga de adrenalina, um aumento do ritmo cardíaco, um suor fininho, chinelo em punho e...zás.
    Rog

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  5. Ao início estremeci...mas depois acho que fizeste muito bem :)
    Detesto centopeias e outros bichos afins :D

    Beijinhos

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  6. Sou muito amiga dos animais... mas centopeias, aranhiços, melgas,... e mais uns tantos... que não tentem morar comigo... aplico-lhes a tua técnica :)

    Bjos

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  7. Tudo menos baratas. O resto não me aflige nada.

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