terça-feira, 19 de outubro de 2010

O grilo

Todas as noites quando eu ia colocar o lixo no contentor, ali estava ele a cantar ruidosamente. Era mesmo junto à minha casa, naquele pedaço de passeio que continua à espera de ser reconstruído. Ali, na terra que sobrou das obras de saneamento básico, nasceram ervas daninhas que se encostaram a algumas pedras soltas de calçada e foi quase de certeza por debaixo delas que ele escavou o túnel que conduzia ao seu esconderijo. De volta a casa, depois de ter atirado o saco do lixo para o contentor, eu parava junto dele. Nunca o conseguia ver. Mas aposto que ele me via a mim. Sim, porque a certos movimentos meus ou posições que eu tomava, ele de repente silenciava o canto. Eu, muito quieta, esperava. Então, mais à vontade, ele recomeçava. Se eu me mexia, ele parava de novo. Por alguns instantes eu ficava ali, nesta espécie de jogo de esconder com o grilo que me ensurdecia a rua. Depois, chamada à realidade pelas tarefas domésticas que ainda me aguardavam em casa, regressava à minha vida.

Hoje dei conta do silêncio naquele local. E, pensando bem, o silêncio não é de hoje. Nem sei para quantos dias vai que já não ouço o grilo. Das duas uma: ou lhe chegou fêmea à porta de casa e estará em lua-de-mel no fundo do seu buraco, ou então chateou-se da vida, saiu para comprar cigarros e até agora não voltou.

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